O existencialismo é um humanismo: Uma introdução a Sartre

Por Adenilson Almeida

Jean-Paul Sartre (1905–1980) foi um filósofo, escritor e crítico francês. Contribuiu muito para o existencialismo, deixando para o mundo, clássicos como O ser e o nada e A náusea.

Mas, por serem livros longos, difíceis e desgastantes, há uma opção melhor para começar a adentrar no abismo dessa filosofia, um texto introdutório que se originou de uma conferência dada em 1945, intitulado O existencialismo é um humanismo.

O homem está condenado a ser livre, condenado porque ele não criou a si, e ainda assim é livre. Pois tão logo é atirado ao mundo, torna-se responsável por tudo que faz”

Somos responsáveis pela nossa existência.

Para Platão, o homem nasce com aptidões naturais, com uma finalidade. Ou seja, alguns nascem destinados a pensar, outros nascem destinados a guerrear, escrever, governar. Se Messi ganhou algumas bolas de ouro, foi porque sua essência era jogar futebol.

Em outras palavras, a essência da alma humana define a existência da alma humana.

A mesma coisa acontece com o pensamento cristão, se Deus criou o homem, já tinha uma ideia prévia de homem, e o fez baseado nessa ideia. Então a essência do homem imaginada por Deus, veio antes da existência do homem.

O existencialismo diz o contrário, “a existência precede a essência”. Messi não nasceu para fazer gols, nasceu para fazer o que quiser. Significa antes de tudo que o homem existe, se encontra, surge no mundo e só depois se define.

O homem está condenado a cada instante a inventar o homem, a liberdade não é uma benção como é normalmente vista no senso comum. É uma condenação, não há motivos para comemorar a liberdade, pois é o ponto de partida da nossa angústia.

E essa angustia se manifesta em duas situações:

– Diante da necessidade de escolhermos a vida. Não há como fugir das escolhas, você é livre, carregue esse peso nas costas. Até mesmo escolher não escolher, é uma escolha. Afinal, o que fazer diante das dúvidas existenciais? Inevitavelmente você se angustiará.

– Diante das responsabilidades que isso acarreta. Afinal, quando você escolhe como viver, joga no lixo outras vidas que poderia ter seguido. Não há como prever onde cada caminho escolhido vai chegar. E não há escolha certa, posso chegar ao final da vida, angustiado, e pensar que ao invés de ser advogado deveria ter sido artista. Estaria fazendo esse mesmo questionamento se tivesse seguido qualquer outra profissão, porque a angustia sempre me acompanhará, pois além de escolher, ainda tenho que arcar com as responsabilidades dessa decisão, que não interfere somente na minha vida, mas na do mundo inteiro.

Como se não fosse suficiente, estamos desamparados, não existem critérios absolutos que nos auxiliem em decidir o que é certo. Não existe Deus com um power point listando o que deve e o que não deve ser feito. Você é livre, se vira. Ou, nas palavras de Sartre, estamos sós, sem desculpas. Não há sinais de certo ou errado no mundo, quem escolhe o significado dos sinais somos nós.

“Ok, já entendi que ser livre é difícil e doloroso, não quero isso não, vou passar a vida sendo garçom, pois eu nasci pra isso e não há o que fazer”

Nesse caso, Sartre te chama de covarde, pois escolhe se esconder atrás de desculpas para não exercer sua liberdade. Portanto, o covarde, o sujeito que age de má-fé, é o que não aceita que não passa de um nada, pois o nada é a natureza do homem.

Então, não seja um covarde, abrace o nada, carregue sua pesada liberdade nas costas. Afinal é isso que torna o existencialismo um tipo de humanismo, o nada, que nos permite fazer tudo.

O Gênio maligno

Por Alexandro Foletto (alexandrofoletto1996@gmail.com)

Existe uma verdade tão evidente que não possa ser questionada? Seria possível que nossa vida, juntamente com o mundo ao nosso redor, não passe de um sonho? Por mais estranhas que possam parecer essas questões, elas merecem crédito pelo simples fato de serem concebidas e denotam que é possível duvidar da realidade aparente.

Porém, existem ideias tão claras e evidentes que não há como duvidar. Independente se você está acordado ou dormindo, um mais um é igual a dois. Um quadrado deve conter quatro lados iguais. Mas e se existir um gênio maligno poderoso que constantemente nos engana? E se esse demônio manipula nossa forma de abstrair as coisas do mundo e acabamos tomando por verdadeiro aquilo que na verdade é falso?

A possibilidade de um ser assim nos faz perguntar: existe algo certo que está além de qualquer dúvida? Usando a razão o filosofo francês do século XVII Rene Descartes, apresentou questões similares para refletir se é possível conceber uma verdade indubitável, um conhecimento que pudesse ser irrefutável. O método usado pelo filosofo é a dúvida hiperbólica, onde se duvida de tudo para chegar a verdade, onde suspende o juízo, não tomando nada como verdadeiro ou falso sem antes analisar todos os argumentos possíveis, diferente acontece com a dúvida cética que exclui a possibilidade de chegar a uma certeza.

O juízo inicialmente apresenta os sentidos e a lógica como fonte segura de conhecimento, porém, constata que os sentidos podem enganar, podem fornecer um dado sensorial equivocado e por isso confiar puramente nos sentidos é um equivoco e somente com o auxílio da razão é que se pode obter mais precisão. Outro argumento apresentado é o do sonho, como saber se estou sonhando ou acordado? Voltamos ao Gênio maligno, seria nossa percepção da realidade algo manipulado? E se somos enganados desde sempre também com relação a matemática, sendo que 1 + 1 na verdade é 3 e não 2?

Com o argumento do Gênio maligno, Descartes põe em dúvida toda a nossa realidade, contudo se podemos duvidar da realidade, dos sentidos e até mesmo da matemática (lógica), então, necessariamente essa capacidade advém do  pensamento, todo ser antes de pensar é um existente, portanto, penso logo existo, essa é a primeira certeza filosófica constatada por Descartes, podemos duvidar de tudo, menos de nossa capacidade de raciocinar e se podemos pensar é porque existimos.

Nietzsche: Apolíneo e Dionisíaco, entre a razão e o caos

Na filosofia de Nietzsche, os conceitos Apolíneo e Dionisíaco referem-se à dois deuses gregos. Apolo é um deus relacionado à razão e à ordem. Dionísio é um deus relacionado à loucura e caos.

Os conceitos Apolíneo e Dionisíaco são temas centrais no livro O Nascimento da Tragédia, a primeira grande obra de Nietzsche. O filósofo do bigode analisa a cultura e a arte grega a partir dessas duas forças opostas da natureza.

Leia também:

O que Nietzsche quer dizer com Dionisíaco e Apolíneo?

Apolíneo deriva de Apolo, o deus grego do sol, relacionado à ordem, luz, autoconsciência e individuação. O pensamento racional, baseado em estruturas lógicas, é apolíneo.

Do outro lado, dionisíaco deriva de Dionísio, deus das festas e do vinho, relacionado aos instintos naturais. Uma expressão pura do dionisíaco é a música, que não apela para a racionalidade, mas para as emoções.

Os conceitos nietzscheanos dionisíaco e apolíneo são usados em discussões sobre arte, especialmente sobre a tragédia grega. Nietzsche admira a combinação entre apolíneo e dionisíaco. O ideal é a fusão dessas duas forças, que permite utilizar a energia dionisíaca de forma construtiva dentro de uma estrutura apolínea.

Na tragédia Édipo Rei, por exemplo, assuntos temíveis, como a injustiça e a morte, encontram expressão de uma forma ordenada e bela em enredos e diálogos. O público via esses conceitos de forma dionisíaca.

O coro, por meio de desapego e união, explicava as experiências dos personagens e ajudava o público a separar-se de si mesmo e perceber as ideias terríveis de uma forma despersonalizada. Isso permite ao espectador lidar com ideias desagradáveis de uma forma mais leve que a discussão apolínea.

A arte está em declínio quando essa combinação cessa. Nietzsche põe a culpa desse declínio em Eurípedes, que “leva” o espectador para o palco.

Em contraste com Aquiles ou Sófocles, as peças de Eurípedes não se concentravam em heróis trágicos, mas no “homem comum”. Eram dramatizações do cotidiano. Isso permitia ao público fazer julgamento moral sobre os personagens, de um modo que não poderiam fazer com os heróis trágicos.

O legado dos conceitos Apolíneo e Dionisíaco

Os conceitos apolíneo e dionisíaco de Nietzsche, e o próprio livro O Nascimento da Tragédia, não tiveram uma boa recepção a princípio. O próprio autor disse que o livro era mal escrito, pesado e embaraçoso. Contudo, as ideias se tornaram notáveis e são discutidas nos campos da arte, da ética e da política.

Há autores que afirmam a influência dos conceitos apolíneo e dionisíaco na psicanálise. Os conceitos de Nietzsche seriam parecidos com id e superego na teoria de Freud (ou isso e supereu).

Um psicanalista que recorreu amplamente à ideia do dionisíaco foi Otto Gross, considerado um anarquista. Ele defendia um estilo de vida “hedonista” e atividade sexual não reprimida.

Camille Paglia, crítica de arte e cientista social, escreve sobre os conceitos apolíneo e dionisíaco em Sexual Personae. Paglia afirma uma base biológica para a dicotomia apolíneo/dionisíaco. Para ela, “a disputa entre Apolo e Dionísio é a disputa entre o córtex superior e o cérebros límbicos e reptilianos mais antigos”.

Ruth Benedict, antropóloga americana, usou a dicotomia apolíneo/dionisíaco em descrições de diferentes culturas.

Considerações finais

Por mais que a filosofia de Nietzsche seja frequentemente relacionada à valorização dos instintos e crítica da razão, o apolíneo não é rejeitado completamente, como muitos podem pensar. Nietzsche critica, sim, a desvalorização do dionisíaco.

Por mais que Nietzsche tenha criticado sua própria obra (O Nascimento da Tragédia), seus conceitos de apolíneo e dionisíaco permanecem como ideias relevantes em várias áreas, como arte, psicologia e sociedade.

Teremos ganho muito a favor da ciência estética se chegarmos não apenas à intelecção lógica mas à certeza imediata da introvisão de que o contínuo desenvolvimento da arte está ligado à duplicidade do apolíneo e do dionisíaco, da mesma maneira como a procriação depende da dualidade dos sexos, em que a luta é incessante e onde intervêm periódicas reconciliações.

Nietzsche em O Nascimento da Tragédia

Leia mais:


Alexander Gatherer (2014). The Dionysian and the Apollonian in Nietzsche: The Birth of Tragedy.

Friedrich Nietzsche (1992). O Nascimento da Tragédia ou Helenismo e pessimismo.

Scotty Hendricks (2018). What Nietzsche really meant: The Apollonian and Dionysian.

4 Livros essenciais do Existencialismo

O Existencialismo (ou Filosofias da existência) é um termo para uma corrente de pensamento que tem filósofos da Europa dos séculos XIX e XX seus nomes mais conhecidos.

O uso do termo é discutível. Alguns dos próprios filósofos chamados de existencialistas recusavam o termo. Sartre disse: “existencialismo? Eu não sei o que é isso.” Contudo, usar o termo existencialismo é útil para classificar e categorizar as filosofias de certos pensadores.

Os livros do existencialismo provavelmente são os livros de filosofia mais conhecidos na cultura geral, fora dos campos acadêmicos. Eles abordam temas como o sentido da vida, liberdade e angústia.

Alguns filósofos que são considerados grandes autores do existencialismo:

  • Søren Kierkegaard (1813-1855)
  • Friedrich Nietzsche (1844-1900)
  • Martin Heidegger (1889-1976)
  • Jean-Paul Sartre (1905-1980)
  • Simone de Beauvoir (1908-1986)
  • Albert Camus (1913-1960)

Vamos ver alguns fundamentais livros sobre o existencialismo.

Søren Kierkegaard – Ou-ou: um fragmento de vida (Either/Or)

Ou-ou: um fragmento de vida foi um dos primeiros livros de Søren Kierkegaard, que escreveu muitas obras sob pseudônimo. Nesse tratado monstruoso (chega a +800 páginas em algumas versões), Kierkegaard compara estética e ética, dois modos de existência radicalmente diferentes.

Kierkegaard segue um pêndulo entre pavor e triunfo, ou / ou, isto ou aquilo. Em dado momento ele chega à uma famosa conclusão:

“Eu vejo tudo perfeitamente; há duas situações possíveis – você pode fazer isso ou aquilo. Minha opinião honesta e meu conselho amigável é este: faça ou não faça – você vai se arrepender de ambos.”

Nietzsche – Assim Falava Zaratustra

Assim Falava Zaratustra (ou Assim Falou Zaratustra) é o livro mais famoso de Friedrich Nietzsche – filósofo que exerceu grande influência em muitos grandes pensadores do século XX.

É no livro Assim Falava Zaratustra que Nietzsche apresenta completamente o seu Übermensch (O Além-homem, Além do Homem ou mesmo Super-Homem).

Nesse livro Nietzsche também prevê que sua obra seria mal entendida e deturpada. Um exemplo disso foi Hitler adotar Nietzsche como filósofo do Nazismo.

Nietzsche não é um filósofo fácil. Apesar de muito vendido, o livro Assim falava Zaratustra talvez devesse ser lido depois de termos uma certa intimidade com a obra do bigode.

“O homem é algo que deve ser superado. O homem é uma corda, amarrada entre a besta e o super-homem – uma corda sobre um abismo. O que é grande no homem é que ele é uma ponte e não um fim.”

Sartre – O Ser e o nada

Jean-Paul Sartre foi, além de filósofo, um escritor de literatura muito famoso. O Ser e o nada é seu livro mais comentada.O tema principal de O Ser e o nada é a liberdade humana, e a fuga dela.

Sartre defende uma liberdade radical e um “eu” diferente do que costumamos pensar. Para ele, o ser humano é condenado a ser livre, e é capaz de construir seus próprios significados.

É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer. (SARTRE, 1973, p. 15).

Albert Camus – O Estrangeiro

Camus é o grande nome do Absurdismo (ou Filosofia do Absurdo). O Absurdo trata de temas como a busca do homem por significado e a irracionalidade da existência, bem expressos em O mito de Sísifo.

Em O Estrangeiro, Meursault é um homem nu diante do absurdo. “A mãe morreu hoje. Ou talvez tenha sido ontem, não sei”.

Anteriormente, era uma questão de descobrir se a vida deveria ou não ter um significado a ser vivido. Agora fica claro, pelo contrário, que será vivida ainda melhor se não tiver significado.


Referências:

Big Think

IEP

SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo. Tradução: Vergílio Ferreira. São
Paulo: Abril S.A., 1973.

Kierkegaard x Nietzsche: Deus e o significado da vida

O existencialismo é um humanismo ateísmo?

Grandes nomes do existencialismo também eram ateus: Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus (muitas vezes é classificado como existencialista, apesar do absurdismo, mas isso é outra história…).

O existencialismo (ou as Filosofias da existência) tem como precursor Friedrich Nietzsche – aquele cara bigodudo que disse que Deus está morto.

E há uma certa relação entre existencialismo e niilismo.

No entanto, o fundador do existencialismo, Søren Kierkegaard, tinha como um dos princípios centrais do seu pensamento o cristianismo.

Enquanto a morte de Deus era uma ideia central no pensamento de Nietzsche, a filosofia de Kierkegaard tinha como pilares a necessidade de deus e a .

Sobre o significado da vida

Nietzsche afirma que a falta de significado tem como causa a morte de deus.

Kierkegaard reconhece o absurdo da vida e a dificuldade de encontrar significado para ela, mas defende que esse problema do sentido está relacionado à um excesso de racionalidade.

Kierkegaard precedeu muitos filósofos existencialistas ao dizer que razão e ciência não podem dar valor, significado e propósito à vida. Cabe ao indivíduo decidir o significado da própria vida.

Como encontrar o significado da vida, segundo Kierkegaard?

Olhar para Deus e dar o salto da fé – um pulo do estádio ético para o estádio religioso. Isso oferece significado e equilíbrio. A vida “ética” pode funcionar como uma fuga das escolhas sobre o significado para si mesmo.

Devemos considerar-nos indivíduos, mas reconhecendo o poder que nos constituiu. É um imperativo moral (do qual Deus é parte fundamental) descobrir e viver como si mesmo.

Sempre temos diferentes possibilidades e podemos escolher. Evitar tornar-se si mesmo é estar em desespero – estar em pecado, de acordo com Kierkegaard. Mas as escolhas podem levar à angústia.

“ Se você se casar, vai se arrepender; se você não se casar, também se arrependerá; se você se casar ou não se casar, vai se arrepender de ambos; ria das loucuras do mundo, você vai se arrepender, chore, você também vai se arrepender disso; rir das loucuras do mundo ou chorar por elas, você vai se arrepender de ambos… ”

O Cavaleiro da Fé

O Cavaleiro da Fé de Kierkegaard é um tipo de Ubermensch (O superhomem ou além-homem de Nietzsche), porém cristão. Ele supera a racionalidade e se dedica ao chamado superior de Deus, como no exemplo de Abraão.

Deus ordenou à Abraão que matasse seu próprio filho, o que pode ser considerado antiético. Mas ser um Cavaleiro da Fé é estar além do bem e do mal.

Diferente do herói trágico, cujo sacrifício, apesar de doloroso, pode ser entendido racionalmente, o ato do cavaleiro da fé tipificado por Abraão representa uma decisão que transcende os limites da razão (Costeski e Marques, 2015)

O pensamento de Kierkegaard não deve ser encarado como uma “pregação do cristianismo”. Ele mesmo disse que um “pagão apaixonado” vivia melhor que um cristão que adorava apenas por hábito.

Com certeza é um dos grandes nomes da história da Filosofia e deve ser respeitado como tal.


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Referências:

Big Think. God’s Answer to Nietzsche, the Philosophy of Søren Kierkegaard

Costeski e Marques (2015). Os atributos do cavaleiro da fé em Søren Kierkegaard

Santo Agostinho e o Tempo

Por Adenilson Almeida

O tempo é uma preocupação antiga não só entre os filósofos. Todo mundo uma hora ou outra pensa no tempo, seja por estar atrasado ou por querer saber quanto falta para chegar o fim de semana.

Santo Agostinho (354 – 430) fez talvez a mais importante reflexão sobre o tempo na história do pensamento, presente no Livro XI da obra Confissões.

A reflexão Agostiniana sobre o tempo começa com o problema em defini-lo, com a análise de que todos sabem o que é o tempo quando nele se fala, mas ninguém diz o que de fato ele é.

“Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; porém, se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.”

Essa resposta é de extrema relevância até hoje, pois a partir dela nasceu a ideia de pensamento intuitivo, mesmo que Agostinho não tenha assim o chamado. Em outras palavras “eu sei, mas não consigo transformar em discurso”.

Avança explicando que nada sabemos nem podemos saber sobre o tempo, porque estamos imersos na temporalidade, e uma reflexão sobre algo exige certa exterioridade, o que não temos nesse caso. Sendo assim, ele chega à conclusão de que só o eterno consegue saber o que é temporal.

Passado, Presente e Futuro

O Passado não é, pois é o tempo que se afasta de nós, é tudo que já não é mais palpável, simplesmente porque já se foi.

O Presente é o “agora”, mas se permanecesse sempre presente e não se tornasse passado, não seria mais tempo, e sim eternidade. Então se o presente precisa se tornar passado para ser tempo, ele não é, porque o que é não deixa de ser.

O Futuro também não é, já que ainda não existe, e quando existir deixará de ser futuro e passará a ser presente, que tão logo já será passado.

Após essas constatações, ele prossegue:

“É impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das presentes, presente das futuras. Existem, pois, estes três tempos na minha mente que não vejo em outra parte: lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras.”

Aqui temos o passado como uma forma particular de presente, afinal quando nos lembramos de algo passado, estamos no presente. Em outras palavras, o passado é presente quando nos lembramos dele.

Temos também o futuro tão presente quanto o passado, quando nele pensamos e projetamos.

E finalmente, Agostinho vai diferenciar o “tempo da alma” e o “tempo do mundo”. Ora, esses três tempos acima explicados só existem para nós, na nossa mente (ou alma), o resto do mundo se resume na instantaneidade do real. No tempo do mundo, nada dura, tudo deixa de ser tão logo que é. Já no tempo da alma, as coisas duram, pois seguem uma lógica estritamente nossa.

Então, quando Renato Russo cantava “temos nosso próprio tempo”, nada mais era que uma modernização do pensamento Agostiniano.

A revolução dos bichos – George Orwell | Resumo / Resenha

Por Adenilson Almeida

Eric Arthur Blair (1903-1950), mais conhecido como George Orwell, foi um escritor, jornalista e ensaísta político. Autor do clássico “A revolução dos bichos”, um livro de fácil compreensão segundo ele, porém, repleto de detalhes que acabam passando despercebidos na alegoria.

Resumo / Resenha – A revolução dos bichos

Tudo começa com uma reunião entre os animais da Granja do Solar, organizada pelo porco Major para contar um sonho que havia tido. No sonho, todos os animais eram livres da dominação e exploração dos ditadores humanos, Major ainda acrescenta que esse sonho um dia viria a ser real, e que todos os animais deveriam dedicar suas vidas a essa revolução. Dias depois o velho porco morreu, mas sua ideologia já estava enraizada, seu pensamento foi sistematizado e chamado de animalismo. (No posfácio é explicado que o porco Major representa Marx)

Porque quase todo o produto do nosso esforço nos é roubado pelos seres humanos. Eis, aí, camaradas, a resposta a todos os nossos problemas. Resume-se em uma só palavra – Homem. O Homem é o nosso verdadeiro e único inimigo. Retire-se da cena o Homem e a causa principal da fome e da sobrecarga de trabalho desaparecerá para sempre. (p.12)

Logo a revolução se tornou real, os animais expulsaram o antigo dono Sr. Jones e mudaram o nome da propriedade para Granja dos Bichos. Os porcos aprenderam a ler e escrever num velho livro de ortografia dos filhos de Jones, e explicaram que os princípios do animalismo poderiam ser resumidos em sete mandamentos, sendo eles:

  • Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.
  • Qualquer coisa que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo.
  • Nenhum animal usará roupas.
  • Nenhum animal dormirá em cama.
  • Nenhum animal beberá álcool.
  • Nenhum animal matará outro animal.
  • Todos os animais são iguais.

Os porcos se tornaram os líderes, por serem “mais espertos”. A partir daí podemos observar que a frase “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente” é mesmo universal.

Os bichos foram libertos dos humanos ditadores, mas submetidos a uma nova ditadura de seus camaradas. Trabalhando cada vez mais, comendo e descansando cada vez menos. Mas ainda assim acreditavam estar vivendo melhor do que antes da revolução, graças às falsas propagandas de melhoria que vinham dos governantes, e as perseguições aos seus opositores.

Mais claro que isso, impossível. Uma crítica direta ao Stalinismo, que alocou o povo de uma ditadura para outra ainda pior. Tendo o partido bolchevique representado pelos porcos, liderados por Napoleão, que representa o próprio Stalin.

Com o tempo, os mandamentos foram alterados aos poucos para justificar os privilégios que a elite suína tinha, como dormir em camas e beber álcool. Até que foram resumidos em “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”.

O fim não poderia ser mais genial, a propriedade volta a se chamar Granja do Solar, os porcos andam sob duas patas, fumam charutos e jogam cartas com os humanos (uma alusão a acordos entre os comunistas e os burgueses), sendo impossível distinguir quem é porco e quem é homem.

A obra não somente demonstra a decadência do Stalinismo na revolução russa, mas é uma critica direta à mesma e a todo e qualquer uso de poder totalitário.

Mesmo depois desse choque de realidade dado por Orwell, Nélson Jahr Garcia nos conforta um pouco ao dizer que “Um dia conseguiremos distinguir a diferença entre porcos e homens”.

Filosofia? O que é isto?

Por Alexandro Foletto

Gostaria de propor uma reflexão acerca do que é a filosofia. Etimologicamente a palavra Filosofia provém do grego, e significa “Amor pela sabedoria”. Realmente, é o amor pela sabedoria que conduz o filosofo a investigar as questões fundamentais que provocam a humanidade, como por exemplo: sobre quem somos nós e porque estamos aqui. Por mais que seja classificada como uma ciência social, a filosofia acolhe qualquer assunto que se é capaz de pensar.

Podemos salientar, após ter feito essas considerações, que com a filosofia somos capazes de averiguar diversos conceitos em prol de ajudar o homem a ter uma maior compreensão sobre o mundo em que está inserido, e com ela podemos explorar conceitos como o sentido da vida, a moralidade, como se dá o conhecimento, a existência de Deus, política, religião, arte, enfim, a filosofia verdadeiramente não possui fronteiras.

O início da filosofia ocidental tem suas raízes no trabalho dos filósofos gregos, que por volta dos séculos V e VI a.c buscaram esclarecer com o auxílio da razão o mundo, a existência e o universo, sem recorrer a explicação sobrenatural, já que naquele período haviam as narrativas mitológicas.

Filosofia é o que todos fazemos quando nos deparamos com questões acerca da existência, pois somos criaturas naturalmente curiosas e não há motivo para deixar de levantar perguntas. Somos portadores de uma poderosa capacidade intelectual que não serve apenas para copiar instruções técnicas, mas sim, também averiguar indagações superiores sobre tudo o que nos envolve. O autoquestionamento está intrinsecamente ligado ao ser humano.

Amor Fati: O amor ao destino [Nietzsche]

Amor Fati: Significado

Amor fati (tradução: “amor ao destino”) é uma frase em latim que pode ser traduzida como “amor ao destino” ou “amor ao próprio destino”. É usada para descrever uma atitude em que se vê tudo o que acontece na vida, incluindo o sofrimento e a perda, como bom ou, no mínimo, necessário, porque está entre os fatos da vida e da existência, gostemos ou não. Além disso, amor fati é caracterizado por uma aceitação dos eventos ou situações que ocorrem na vida. [1]

Essa aceitação não exclui necessariamente uma tentativa de mudança ou melhoria, mas, ao contrário, pode ser vista na linha do que Friedrich Nietzsche aparentemente queria dizer com o conceito de “eterno retorno“: um senso de satisfação com a vida e uma aceitação disso, de tal modo que uma pessoa poderia viver exatamente a mesma vida, em todos os detalhes minuciosos, repetidamente por toda a eternidade.

Conceito de Amor Fati

O conceito de amor fati foi ligado a Epicteto,[2] e também aos escritos de Marco Aurélio, [3] que não usou as palavras (escreveu em grego, não em latim). [4]

A frase é usada repetidamente nos escritos de Nietzsche e é representativa da visão geral da vida que ele articula na seção 276 de A Gaia Ciência:

Quero aprender cada vez mais a considerar como belo o que há de necessário nas coisas: – assim serei daqueles que tornam belas as coisas. Amor Fati: que esse seja doravante meu amor. Não quero mover guerra à feiúra. Não quero acusar, não quero acusar nem mesmo os acusadores. Desviar meu olhar, que seja essa minha única negação! E, numa palavra, para ver grande: só quero ser um dia afirmador!

É importante notar que Nietzsche, neste contexto, refere-se ao “dizedor de sim”, não em um sentido político ou social, mas como uma pessoa que é capaz de intransigente aceitação da realidade per se.

Citação de “Porque sou tão sagaz” em Ecce Homo, seção 10: [5]

A minha fórmula para a grandeza do homem é amor fati: nada pretender ter de diferente, nada para a frente, nada para trás, nada por toda a eternidade. O necessário não é apenas para se suportar, menos ainda para se ocultar – todo o idealismo é mentira perante o necessário – mas para o amar…

Além disso, o espírito de aceitação de Nietzsche ocorre no contexto de sua radical aceitação do sofrimento. Pois amar o que é necessário exige não só que amemos o mal juntamente com o bem, mas que vejamos os dois como indissoluvelmente ligados. Na seção 3 do prefácio de A Gaia Ciência, ele escreve: [6]

Só o grande sofrimento é o derradeiro libertador do espírito … Duvido muito que semelhante sofrimento nos torne “melhores”; – mas sei que nos torna mais profundos.

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Referências

  1. “Amor Fati: The Formula for Human Greatness”. Daily Stoic.
  2. Manual de Epicteto Cap. VIII: “Não procure que as coisas aconteçam do jeito que você quer; em vez disso, deseje que o que acontece aconteça do jeito que acontece: então você será feliz.”— como citado em Pierre Hadot (1998), The Inner Citadel: The Meditations of Marcus Aurelius, p. 143.
  3. Meditações IV.23: “All that is in accord with you is in accord with me, O World! Nothing which occurs at the right time for you comes too soon or too late for me. All that your seasons produce, O Nature, is fruit for me. It is from you that all things come: all things are within you, and all things move toward you.” — como citado em Hadot (1998), p. 143.
  4. “An Interview with the Master: Robert Greene on Stoicism”. Daily Stoic.
  5. Basic Writings of Nietzsche. Walter Kaufmann (1967), p. 714.
  6. Leiter, Brian (2015-01-01). Zalta, Edward N., ed. The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Winter 2015 ed.).

Via Wikipedia.

O Suicídio na Filosofia de Émile Durkheim

                                                                                        Autor: Alexandro Foletto

No livro intitulado “O suicídio” Émile Durkheim trata o tema como um fato social, naturalmente podemos perguntar, como? O suicídio não é um ato individual? A proposta feita por Durkheim está na premissa de que todo indivíduo que se suicida está sob posse de uma angustia tão insuportável que acaba cogitando abreviar a própria vida, apesar disso, nem todos “apertam o gatilho”, existe, portanto o que chamou de variáveis sociais que seriam os motivos que causariam o desejo por desistir da vida.

De imediato Durkheim coloca que a variável que determina a opção pela abreviação da existência está ligada à vulnerabilidade dos laços sociais. O fato é que indivíduos casados se suicidam menos que sujeitos não casados (esse dado até hoje não foi refutado), uma segunda variável é que o indivíduo que tem filhos se suicida menos do que alguém sem filhos, uma terceira variável é que quem tem pais vivos tende a se suicidar menos que alguém que não os tem e o mesmo se aplica para quem tem uma vida financeira estável. Isso revela que pessoas que não estão inseridas na vida social (por meio familiar ou econômico) tem maior probabilidade de cometer suicídio.

Além desses pontos há também uma grande variação entre pessoas que frequentam algum culto religioso, que tendem a suicidar-se menos que quem não frequenta (dirigir-se a um culto religioso cria laços sociais), o mesmo acontece com quem trabalha junto a um grupo. Portanto a sociedade age sobre o indivíduo, cada comunidade social tem uma inclinação para o suicídio, e desta derivam as inclinações individuais.

São três tipos que afligem a sociedade. O primeiro é o suicídio egoísta que é causado pela decepção provocada por desintegração social, angústia ou depressão. Ocorre se alguém se afasta de alguma das instituições sociais (família, igreja, escola, partido político, etc.) ou até mesmo alguma decepção que levaria a falta de convívio.

O segundo foi chamado de suicídio altruísta que ocorre quando um indivíduo valoriza a sociedade mais do que a ele mesmo. Pode parecer estranho, mas temos como exemplo o evento de 11 de Setembro de 2001, quando homens que pilotavam aviões se chocaram contra o World Trade Center em Nova York. Para Durkheim, os agentes desse atentado podem ser classificados como suicidas altruístas, pois se identificavam de tal forma como o grupo Al Qaeda (ao qual faziam parte) que se dispuseram a morrer por ele.

No terceiro caso há o suicídio anômico, que é aquele que se deve a um estado de desordenamento, onde as leis e o respeito falham. Como exemplo, podemos citar a corrupção praticada por políticos e funcionários públicos entre outros tantos, em suma, a perda total de referência moral.

Para concluir podemos dizer que O SUICÍDIO de Durkheim salienta que quanto maior o grau de concordância social menor será a tendência para o indivíduo pôr fim à própria vida.