Santo Agostinho e o Tempo

Por Adenilson Almeida

O tempo é uma preocupação antiga não só entre os filósofos. Todo mundo uma hora ou outra pensa no tempo, seja por estar atrasado ou por querer saber quanto falta para chegar o fim de semana.

Santo Agostinho (354 – 430) fez talvez a mais importante reflexão sobre o tempo na história do pensamento, presente no Livro XI da obra Confissões.

A reflexão Agostiniana sobre o tempo começa com o problema em defini-lo, com a análise de que todos sabem o que é o tempo quando nele se fala, mas ninguém diz o que de fato ele é.

“Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; porém, se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.”

Essa resposta é de extrema relevância até hoje, pois a partir dela nasceu a ideia de pensamento intuitivo, mesmo que Agostinho não tenha assim o chamado. Em outras palavras “eu sei, mas não consigo transformar em discurso”.

Avança explicando que nada sabemos nem podemos saber sobre o tempo, porque estamos imersos na temporalidade, e uma reflexão sobre algo exige certa exterioridade, o que não temos nesse caso. Sendo assim, ele chega à conclusão de que só o eterno consegue saber o que é temporal.

Passado, Presente e Futuro

O Passado não é, pois é o tempo que se afasta de nós, é tudo que já não é mais palpável, simplesmente porque já se foi.

O Presente é o “agora”, mas se permanecesse sempre presente e não se tornasse passado, não seria mais tempo, e sim eternidade. Então se o presente precisa se tornar passado para ser tempo, ele não é, porque o que é não deixa de ser.

O Futuro também não é, já que ainda não existe, e quando existir deixará de ser futuro e passará a ser presente, que tão logo já será passado.

Após essas constatações, ele prossegue:

“É impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das presentes, presente das futuras. Existem, pois, estes três tempos na minha mente que não vejo em outra parte: lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras.”

Aqui temos o passado como uma forma particular de presente, afinal quando nos lembramos de algo passado, estamos no presente. Em outras palavras, o passado é presente quando nos lembramos dele.

Temos também o futuro tão presente quanto o passado, quando nele pensamos e projetamos.

E finalmente, Agostinho vai diferenciar o “tempo da alma” e o “tempo do mundo”. Ora, esses três tempos acima explicados só existem para nós, na nossa mente (ou alma), o resto do mundo se resume na instantaneidade do real. No tempo do mundo, nada dura, tudo deixa de ser tão logo que é. Já no tempo da alma, as coisas duram, pois seguem uma lógica estritamente nossa.

Então, quando Renato Russo cantava “temos nosso próprio tempo”, nada mais era que uma modernização do pensamento Agostiniano.

A Felicidade para São Tomás de Aquino

Por Alexandro Foletto*

São Tomás de Aquino foi um importante filósofo, teólogo e padre dominicano do século XIII. É conhecido como um dos principais expoentes da escolástica (linha filosófica de base cristã). Buscou aplicar a filosofia clássica (principalmente de Aristóteles) para compreender a visão religiosa do cristianismo, sendo assim, vários são os temas abordados por esse pensador e um desses assuntos é a felicidade.

São Tomás de Aquino desenvolve o tema da felicidade tendo em vista que a vida humana possui um fim, ou seja, tem um objetivo ultimo ao qual denomina-se bem-aventurança, sendo, essa que fornece o sentido para a conduta do homem.

Após avaliar as concepções de felicidade recorrentes em sua época, observou que havia diversas correntes que identificavam a beatitude como posse das riquezas, como honra, como poder e como prazeres do corpo entre outros. Todavia, pode-se assegurar que Santo Tomás as considerou como meios e ou critérios não apropriados para conceber uma vida feliz, pois esses meios conduziriam à uma ilusão, uma falsa percepção de felicidade.

Vale ressaltar que Tomás de Aquino identifica a felicidade completa com a beatitude, sendo que nesta vida, a felicidade completa não está ao alcance dos homens, isto é, nesta vida, só é possível uma felicidade parcial e incompleta e para salientar esse pensamento, faz uma análise de cada uma das filosofias vigentes acerca da felicidade em seu tempo.

De início coloca a bem-aventurança como consistindo em riquezas e para analisar de forma coerente faz uma divisão entre riquezas naturais e riquezas artificiais:

Aquelas (riquezas artificiais) são as que o homem busca para satisfazer suas necessidades naturais, como a comida e a bebida, os vestuários, os transportes, a habitação e outras semelhantes. Estas são as que não provêm da natureza, em sim mesmas, como o dinheiro, mas que a arte humana inventou para facilitar as trocas e são como a medida das coisas veniais. (Suma Teológica I-II, q.2, a.1)

Mesmo ampliando a ideia de riqueza e fazendo certa distinção entre ambas, o Doutor Angélico não as reconhece como verdadeira fonte de felicidade, afinal a riqueza não possui uma finalidade em si mesma, pois, quem a busca tem em vista a (aquisição) de algo, ou seja, são meios para atingir certos fins, por exemplo, o investimento feito em comida tem em vista a preservação da vida e da mesma forma segue com o dinheiro e tantas outras coisas. No entretanto, a bem-aventurança tem seu valor em sim mesma e não depende exclusivamente de riquezas.

Outro caso abordado por Santo Tomás é o que diz respeito a honra, seria ela sinônimo de bem-aventurança? Assim como acontece com a riqueza aplica-se a honra, dessa forma, o valor da honra tende mais para o lado de quem a confere do que para aquele que a recebe, isto é, no caso da fama (honra) é preciso haver reconhecimento de outros para assim atribuir certo testemunho que reconhece alguma excelência do honrado, ou seja, não possui razão de ser em si mesmo e pode dirigir-se tanto para o bem como para o mal, algo indispensável à beatitude é ser exclusivamente voltado ao bem.

O poder também aparece como contrário a bem-aventurança, pois não evita angustias ou preocupações, ainda o poder pode ser usado para o mal, é bom que quem detém poder o use em prol do povo, assim é péssimo usar para o mal, em suma, a felicidade completa não pode aceitar a existência de mal, porque ela se contradiz com o bem perfeito e infinito e sabemos que, nesta vida, não há a possibilidade de viver totalmente livre dos males, tanto dos males do corpo, como a sede, a fome e a doença ou até dos males da alma, como a ira, o orgulho, ou a inveja.

Os prazeres corporais também não são estão associados a finalidade última do homem, pois revelam-se voltados a fins secundários, por exemplo, os prazeres da comida são meios para a preservação da vida e os prazeres sexuais para a procriação. Portanto, conclui-se que a inclinação do homem para a felicidade não se realiza por completo nas coisas deste mundo, pois nelas se encontra apenas uma parte do bem. O conjunto de todos os bens se encontra em Deus, que acalma por completo esse anseio por felicidade do homem, não havendo mais nada além para desejar.


* Acadêmico do quinto semestre do curso de Filosofia em Santa Maria RS.

E-mail: alexandrofoletto1996@gmail.com.