O existencialismo é um humanismo: Uma introdução a Sartre

Por Adenilson Almeida

Jean-Paul Sartre (1905–1980) foi um filósofo, escritor e crítico francês. Contribuiu muito para o existencialismo, deixando para o mundo, clássicos como O ser e o nada e A náusea.

Mas, por serem livros longos, difíceis e desgastantes, há uma opção melhor para começar a adentrar no abismo dessa filosofia, um texto introdutório que se originou de uma conferência dada em 1945, intitulado O existencialismo é um humanismo.

O homem está condenado a ser livre, condenado porque ele não criou a si, e ainda assim é livre. Pois tão logo é atirado ao mundo, torna-se responsável por tudo que faz”

Somos responsáveis pela nossa existência.

Para Platão, o homem nasce com aptidões naturais, com uma finalidade. Ou seja, alguns nascem destinados a pensar, outros nascem destinados a guerrear, escrever, governar. Se Messi ganhou algumas bolas de ouro, foi porque sua essência era jogar futebol.

Em outras palavras, a essência da alma humana define a existência da alma humana.

A mesma coisa acontece com o pensamento cristão, se Deus criou o homem, já tinha uma ideia prévia de homem, e o fez baseado nessa ideia. Então a essência do homem imaginada por Deus, veio antes da existência do homem.

O existencialismo diz o contrário, “a existência precede a essência”. Messi não nasceu para fazer gols, nasceu para fazer o que quiser. Significa antes de tudo que o homem existe, se encontra, surge no mundo e só depois se define.

O homem está condenado a cada instante a inventar o homem, a liberdade não é uma benção como é normalmente vista no senso comum. É uma condenação, não há motivos para comemorar a liberdade, pois é o ponto de partida da nossa angústia.

E essa angustia se manifesta em duas situações:

– Diante da necessidade de escolhermos a vida. Não há como fugir das escolhas, você é livre, carregue esse peso nas costas. Até mesmo escolher não escolher, é uma escolha. Afinal, o que fazer diante das dúvidas existenciais? Inevitavelmente você se angustiará.

– Diante das responsabilidades que isso acarreta. Afinal, quando você escolhe como viver, joga no lixo outras vidas que poderia ter seguido. Não há como prever onde cada caminho escolhido vai chegar. E não há escolha certa, posso chegar ao final da vida, angustiado, e pensar que ao invés de ser advogado deveria ter sido artista. Estaria fazendo esse mesmo questionamento se tivesse seguido qualquer outra profissão, porque a angustia sempre me acompanhará, pois além de escolher, ainda tenho que arcar com as responsabilidades dessa decisão, que não interfere somente na minha vida, mas na do mundo inteiro.

Como se não fosse suficiente, estamos desamparados, não existem critérios absolutos que nos auxiliem em decidir o que é certo. Não existe Deus com um power point listando o que deve e o que não deve ser feito. Você é livre, se vira. Ou, nas palavras de Sartre, estamos sós, sem desculpas. Não há sinais de certo ou errado no mundo, quem escolhe o significado dos sinais somos nós.

“Ok, já entendi que ser livre é difícil e doloroso, não quero isso não, vou passar a vida sendo garçom, pois eu nasci pra isso e não há o que fazer”

Nesse caso, Sartre te chama de covarde, pois escolhe se esconder atrás de desculpas para não exercer sua liberdade. Portanto, o covarde, o sujeito que age de má-fé, é o que não aceita que não passa de um nada, pois o nada é a natureza do homem.

Então, não seja um covarde, abrace o nada, carregue sua pesada liberdade nas costas. Afinal é isso que torna o existencialismo um tipo de humanismo, o nada, que nos permite fazer tudo.

4 Livros essenciais do Existencialismo

O Existencialismo (ou Filosofias da existência) é um termo para uma corrente de pensamento que tem filósofos da Europa dos séculos XIX e XX seus nomes mais conhecidos.

O uso do termo é discutível. Alguns dos próprios filósofos chamados de existencialistas recusavam o termo. Sartre disse: “existencialismo? Eu não sei o que é isso.” Contudo, usar o termo existencialismo é útil para classificar e categorizar as filosofias de certos pensadores.

Os livros do existencialismo provavelmente são os livros de filosofia mais conhecidos na cultura geral, fora dos campos acadêmicos. Eles abordam temas como o sentido da vida, liberdade e angústia.

Alguns filósofos que são considerados grandes autores do existencialismo:

  • Søren Kierkegaard (1813-1855)
  • Friedrich Nietzsche (1844-1900)
  • Martin Heidegger (1889-1976)
  • Jean-Paul Sartre (1905-1980)
  • Simone de Beauvoir (1908-1986)
  • Albert Camus (1913-1960)

Vamos ver alguns fundamentais livros sobre o existencialismo.

Søren Kierkegaard – Ou-ou: um fragmento de vida (Either/Or)

Ou-ou: um fragmento de vida foi um dos primeiros livros de Søren Kierkegaard, que escreveu muitas obras sob pseudônimo. Nesse tratado monstruoso (chega a +800 páginas em algumas versões), Kierkegaard compara estética e ética, dois modos de existência radicalmente diferentes.

Kierkegaard segue um pêndulo entre pavor e triunfo, ou / ou, isto ou aquilo. Em dado momento ele chega à uma famosa conclusão:

“Eu vejo tudo perfeitamente; há duas situações possíveis – você pode fazer isso ou aquilo. Minha opinião honesta e meu conselho amigável é este: faça ou não faça – você vai se arrepender de ambos.”

Nietzsche – Assim Falava Zaratustra

Assim Falava Zaratustra (ou Assim Falou Zaratustra) é o livro mais famoso de Friedrich Nietzsche – filósofo que exerceu grande influência em muitos grandes pensadores do século XX.

É no livro Assim Falava Zaratustra que Nietzsche apresenta completamente o seu Übermensch (O Além-homem, Além do Homem ou mesmo Super-Homem).

Nesse livro Nietzsche também prevê que sua obra seria mal entendida e deturpada. Um exemplo disso foi Hitler adotar Nietzsche como filósofo do Nazismo.

Nietzsche não é um filósofo fácil. Apesar de muito vendido, o livro Assim falava Zaratustra talvez devesse ser lido depois de termos uma certa intimidade com a obra do bigode.

“O homem é algo que deve ser superado. O homem é uma corda, amarrada entre a besta e o super-homem – uma corda sobre um abismo. O que é grande no homem é que ele é uma ponte e não um fim.”

Sartre – O Ser e o nada

Jean-Paul Sartre foi, além de filósofo, um escritor de literatura muito famoso. O Ser e o nada é seu livro mais comentada.O tema principal de O Ser e o nada é a liberdade humana, e a fuga dela.

Sartre defende uma liberdade radical e um “eu” diferente do que costumamos pensar. Para ele, o ser humano é condenado a ser livre, e é capaz de construir seus próprios significados.

É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer. (SARTRE, 1973, p. 15).

Albert Camus – O Estrangeiro

Camus é o grande nome do Absurdismo (ou Filosofia do Absurdo). O Absurdo trata de temas como a busca do homem por significado e a irracionalidade da existência, bem expressos em O mito de Sísifo.

Em O Estrangeiro, Meursault é um homem nu diante do absurdo. “A mãe morreu hoje. Ou talvez tenha sido ontem, não sei”.

Anteriormente, era uma questão de descobrir se a vida deveria ou não ter um significado a ser vivido. Agora fica claro, pelo contrário, que será vivida ainda melhor se não tiver significado.


Referências:

Big Think

IEP

SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo. Tradução: Vergílio Ferreira. São
Paulo: Abril S.A., 1973.

O que nos faz bons? A Ética da Bondade em Kant e Sartre

Kant e Sartre – Ações e Intenções

Para o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre, sempre que atuamos, estamos agindo de forma legislativa para o resto da humanidade. Isso ocorre porque nossas ações são escolhidas livremente, e cada vez que escolhemos agir de uma maneira ou outra, somos acompanhados pela pesada responsabilidade de formar nosso próprio caráter moral e o caráter moral da humanidade como um todo.

A bondade da humanidade como um todo e a bondade do indivíduo são interdependentes, daí a questão avaliativa – eu, ela ou ele somos bons? – é respondida com outra questão: se todos atuassem do jeito que fazemos, seria a humanidade como um todo melhor ou pior por isso?

Isso tem um entendimento kantiano óbvio: o imperativo categórico de Kant nos diz para atuarmos apenas da maneira que, ao mesmo tempo, pode tornar-se uma lei universal – ou seja, apenas diga essa mentira se você quiser que todos os outros digam essa mentira. O propósito do imperativo categórico é fornecer-nos uma regra para a ação moral: se não podemos justificar racionalmente a prescrição de mentir como uma lei universal, então segue que não podemos justificar a narração de uma mentira; portanto, mentir é errado.

Para Kant, se um indivíduo é bom ou não depende se suas intenções de ação foram boas ou não. A avaliação não está na ação, mas no espaço de deliberação racional que precede a ação, na formação da intenção. As únicas ações boas são as que são produzidas por boas intenções. E as boas intenções só podem ser formadas quando uma compreensão correta do conceito de Deus foi determinada.

Dar dinheiro à caridade é bom se e somente se a sua intenção de dar é formada pela sua compreensão correta do conceito de bondade. Entendido corretamente, você dá dinheiro à caridade porque é bom fazê-lo, não porque, por exemplo, você se sentirá melhor por isso, ou porque sua religião diz que é bom fazer. Uma compreensão correta do conceito de bondade nos limita à ação correta como um dever: não poderíamos agir de outra maneira.

Então, para Kant, ser ou não bom, depende do que me motiva a agir. Somente boas intenções podem causar boas ações. Sob esta concepção de Deus, é concebível que alguém que vemos como bom em virtude de suas ações – alguém que dá a caridade, cuida dos outros, etc. – não é realmente bom. Eles são bons apenas se tiverem boas intenções – independentemente da produção de suas ações.

Quando comparada à avaliação de Sartre sobre a bondade individual, vemos uma diferença emergir: para Sartre, a avaliação moral ocorre olhando de fora, em uma espécie de visão de Deus sobre toda a humanidade; Para Kant, a avaliação moral ocorre de dentro, no processo de pensamento racional que ocorre antes da ação ter lugar. O conceito de bondade em si muda com isso: é uma propriedade de ação (boas ações são consistentes com más intenções -, portanto, o que faz uma ação boa é algo sobre a ação em si), ou uma força motivadora (uma que, devidamente entendida, nós só atuaríamos de acordo com ela)?

Cada um tem uma conclusão particular sobre o que constitui a bondade individual: seja bom por minhas ações ou por minhas intenções. E então começamos a ver a divisão entre a ética de Sartre e a de Kant: tanto Kant quanto Sartre nos pedem para atuar de maneira que possamos fazer com que o resto da humanidade aja igual, mas o que faz a bondade individual diverge no ponto em que a ação é escolhida.

O conceito de Má-Fé de Sartre [Existencialismo]

A má-fé de Jean-Paul Sartre

Em O Ser e o Nada, Sartre argumenta que a consciência é consciência de seu ser. Ele também argumenta que do que a consciência está consciente – isto é ‘ser’ – é que ela é o que não é. O que ele quer dizer com isso?

Para Sartre, a consciência humana é um ‘nada’ – é a única que não pode ser apontada como uma coisa no mundo, diferente de mesas, cadeiras, minhas mãos e pernas. A consciência é consciência de si mesma. É por esta razão que o fenômeno da má-fé mostra-se um dilema: se a consciência deve estar sempre consciente de si mesma, então como pode acontecer com as pessoas o tipo de dissonância que Sartre chama de ‘má fé’?

Quando uma pessoa mente para outra, a mentira é possibilitada pelo fato de que a consciência do mentiroso é escondida da pessoa que está sendo enganada. Mas como uma pessoa pode realizar o tipo de auto-engano necessário para estar em má-fé – para negar, em suma, que a consciência é o que não é?

Psicanálise divide a consciência em três categorias: a parte consciente e a inconsciente – id, ego e superego – trabalhando para causar pensamentos e ações. Má-fé acontece quando as coisas no inconsciente se expressam através de pensamentos e ações, permanecendo escondidas da consciência. Mas, para Sartre, isso não pode ser verdade. Isso ocorre porque o saber é saber que eu sei; a consciência é consciência de seu ser. Assim, para as pessoas caírem em má fé, elas devem estar conscientes da coisa que elas negam, assim como o desvio sexual é consciente de seus desejos. Assim sendo, a postulação dos psicanalistas sobre ego e id é falsa: a consciência existe como uma unidade, e isso é porque – para voltar a premissa de Sartre – consciência é a consciência do seu ser.

Exemplos de má-fé

Para ajudar a ilustrar o conceito de má-fé, Sartre usa o exemplo de um jovem que tem um emprego como garçom. Um garçom, ao contrário de uma mesa ou uma cadeira, não existe além do abstrato. Certamente, há um conjunto de ações que associamos com ser um garçom, mas não há nada no que é ser um garçom como o que há em ser uma cadeira (que tem quatro pernas e é construída por seres humanos para se sentarem) . ‘Um garçom’ não existe e, portanto, não pode ser; mas o jovem faz ‘ser um garçom’ como ‘ser uma cadeira’, e ao fazê-lo trata de experimentar a si mesmo como um objeto. Ao fazer isso, ele nega que a consciência é o que não é, ou seja, que não pode ser qualquer coisa. O jovem molda si mesmo como um garçom, que ele torna-se para uma espécie de objeto, e ao fazer isso pratica má fé.

O segundo exemplo que Sartre usa é o de uma mulher em um encontro, que descobre que o homem colocou a mão em sua mão em uma tentativa de tornar seus sentimentos conhecidos. Ao invés de agir, e por tanto o retirar ou manter a mão onde está, ela experimenta a si mesma como pura transcendência,  como a parte da consciência que é livre a qualquer momento para agir em qualquer número de possibilidades. Ao negar que ela existe como uma coisa no mundo – uma coisa para os outros, usando a terminologia de Sartre – ela está cometendo má fé. Ao contrário do garçom, ela não está negando que a consciência é um nada (não pode ser qualquer coisa); em vez disso ela está negando quem ela é para os outros. Naquele momento, ela experimenta-se como puro nada.

Transcendência e facticidade

Tanto o garçom quanto a mulher no encontro estão em má fé, mas eles caem em má-fé negando coisas diferentes. Sartre cunha dois novos termos para descrever os aspectos da consciência que eles negam: transcendência e facticidadeO garçom, no sentido de tornar-se um objeto, nega a sua transcendência – que ele não pode ser qualquer coisa, porque a consciência não é o que é. A mulher no encontro, por outro lado, nega sua facticidade; o que quer dizer que ela nega que ela é uma coisa para os outros: alguém que nasceu neste ou naquele tempo, em este ou naquele país, com certo conjunto de pais; e moldou-se até aquele momento pelas ações que ela desejou.

Esta divisão da consciência em dois aspectos – transcendência e facticidade – permite dar uma explicação da má-fé. Nota-se que embora separados, transcendência e facticidade devem ser unificados em uma consciência global. Quando comete má fé, não é que ela não sabe o que está fazendo (como os psicanalistas argumentam), mas que ela dirige e experimenta-se como esta ou aquela coisa (seja pura transcendência; um nada, ou facticidade – um conjunto de qualidades definidas como a de um objeto).

Pode ser afirmado que o antídoto para a má-fé é a sinceridade – basta ser você mesmo em vez de tentar ser algo ou nada. Mas há contradição nisso, também. Você não pode ‘ser você mesmo’ se não há nada para ser. Por esta razão, mesmo sinceridade – o esforço para ser quem você realmente é – resulta em má fé.

“O Muro” de Sartre: Resumo / Resenha e Análise

por Emrys Westacott

Jean Paul Sartre publicou o conto O Muro (título francês: Le Mur ) em 1939. Ele acontece na Espanha durante a guerra civil espanhola, que durou de 1936 a 1939. A maior parte da história é retomada descrevendo uma noite passada em uma cela de prisão por três prisioneiros que foram informados de que serão executados na manhã seguinte.

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Existencialismo: Liberdade radical e o “eu” de Sartre

RESUMO – O MURO (Jean-Paul Sartre)

O narrador, Pablo Ibbieta, é membro da Brigada Internacional, voluntários progressistas de outros países que foram para a Espanha para ajudar aqueles que estavam lutando contra os fascistas de Franco, em um esforço para preservar a Espanha como uma república.

Junto com outros dois, Tom e Juan, ele foi capturado por soldados de Franco. Tom é ativo na luta, como Pablo; mas Juan é apenas um jovem que passa a ser o irmão de um anarquista ativo.

Na primeira cena, eles são entrevistados de uma forma muito resumida. Eles praticamente não respondem perguntas, embora seus interrogadores parecem escrever muito sobre eles. Pablo é perguntado se ele sabe o paradeiro de Ramon Gris, líder anarquista local. Ele diz que não. Eles são, em seguida, levados para uma cela. Às 8:00 da noite, um oficial vem para dizer-lhes que eles foram condenados à morte e serão executados na manhã seguinte.

Naturalmente, eles passam a noite oprimidos pelo conhecimento de sua morte iminente. Juan está prostrado pela auto-piedade. Um médico belga mantém-los acompanhados para fazer seus últimos momentos “menos difíceis.” Pablo e Tom lutam para chegar a termos com a ideia de morrer em um nível intelectual, enquanto seus corpos denunciam o medo que naturalmente sentem.

Pablo encontra-se encharcado de suor; Tom não pode controlar sua bexiga.

Pablo observa como ser confrontado com a morte altera radicalmente a forma como tudo – objetos familiares, pessoas, amigos, estranhos, memórias, desejos – aparece para ele e sua atitude para com isso. Ele reflete sobre sua vida até este ponto:

Naquele momento eu senti que eu tinha toda a minha vida na minha frente e eu pensei: “É uma maldita mentira.” Ela não valia nada porque foi terminado. Eu me perguntava como eu tinha sido capaz de andar, de rir com as meninas: Eu não teria movido mais que meu dedo mindinho, se eu só tivesse imaginado que iria morrer assim. Minha vida estava na minha frente, fechada, cerrada, como um saco e ainda tudo dentro dela estava inacabado. Por um instante eu tentei julgá-la. Eu queria me dizer, esta é uma bela vida. Mas eu não podia deixar passar julgamento sobre ela; era apenas um esboço; Eu tinha passado o meu tempo falsificando eternidade, eu não tinha entendido nada. Eu não perdi nada: não havia tantas coisas que eu poderia ter perdido, o gosto de camomila ou os banhos que tomei no verão em um pequeno riacho perto de Cadiz; mas a morte tinha desencantado tudo.

A manhã chega, e Tom e Juan são retirados para serem executados. Pablo é interrogado novamente, e foi dito que se ele informasse sobre Ramon Gris sua vida seria poupada. Ele é trancado em uma sala de lavandaria para pensar sobre isso por mais 15 minutos. Durante esse tempo, ele se pergunta por que ele está sacrificando sua vida pela de Gris, e não pode dar nenhuma resposta, exceto que ele deve ser um “tipo teimoso.” A irracionalidade de seu comportamento o diverte.

Perguntado mais uma vez sobre onde Ramon Gris está se escondendo, Pablo dá uma resposta, dizendo aos seus interrogadores que Gris está se escondendo no cemitério local. Soldados são enviados imediatamente, e Pablo espera por seu retorno e sua execução. Um tempo depois, no entanto, ele está autorizado a juntar-se ao corpo de prisioneiros no pátio que não estão à espera de execução, e é dito que ele não vai ser executado, pelo menos não por enquanto. Ele não entende isso até que um dos outros prisioneiros lhe diz que Ramon Gris, tendo passado de seu antigo esconderijo para o cemitério, foi descoberto e morto naquela manhã. Ele reage rindo com tanta força que eu chora.

ANÁLISE: ELEMENTOS NOTÁVEIS ​​DA HISTÓRIA

  • A vida apresentada como ela é experienciada. Como muita literatura existencialista, a história é escrita a partir da perspectiva de primeira pessoa, e o narrador não tem conhecimento para além do presente. Ele sabe o que está experimentando; mas ele não pode entrar na mente de outra pessoa.
  • Ênfase na intensidade da experiência sensorial.  Pablo experimenta frio, calor, fome, escuridão, luzes brilhantes, cheiros, sensualidade, e os rostos cinzentos. Pessoas tremem, suam e urinam. Considerando que filósofos como Platão viam sensações como obstáculos ao conhecimento, aqui elas são apresentadas como avenidas de insights.
  • O desejo de ser, sem ilusões. Pablo e Tom discutem a natureza da sua morte iminente tão brutalmente e honestamente quanto possível, mesmo imaginando as balas afundando na carne. Pablo reconhece para si mesmo como sua expectativa de morte o tornou indiferente à outras pessoas e à causa pela qual ele lutou.
  • O contraste entre a consciência e as coisas materiais. Tom diz que ele pode imaginar o seu corpo deitado inerte crivado de balas; mas ele não pode imaginar-se não existente pois o eu com que se identifica é a sua consciência, e a consciência é sempre consciência de alguma coisa. Como ele diz, “não fomos feitos para pensar isso.”
  • Todo mundo morre sozinho. A morte separa os vivos dos mortos; mas aqueles que estão prestes a morrer também são separados da vida, uma vez que só podem sofrer o que está prestes a acontecer sós. Uma intensa consciência disso coloca uma barreira entre eles e todos os outros.
  • A situação de Pablo é a condição humana intensificada. Como Pablo observa, seus carcereiros também vão morrer muito em breve, apenas um pouco mais tarde do que ele. Viver sob sentença de morte é a condição humana. Mas quando a sentença deve ser realizada em breve, uma intensa consciência da vida se inflama.

O SIGNIFICADO DE “O MURO”

O muro do título pode aludir a várias paredes ou barreiras.

  • O muro contra o qual eles serão executados.
  • O muro que separa a vida da morte.
  • O muro que separa os vivos dos condenados.
  • O muro que separa os indivíduos de outros.
  • O muro que nos impede de alcançar uma compreensão clara do que é a morte.
  • O muro que representa a matéria bruta, o que contrasta com a consciência, e ao qual os homens serão reduzidos após os tiros.

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Existencialismo: Liberdade radical e o “eu” de Sartre

A concepção de liberdade de Jean-Paul Sartre coloca o ser humano na linha de frente de sua vida.

Ao contrário de seu antecessor, David Hume, Sartre argumenta que somos livres, mesmo quando sob restrição. Eu poderia, por exemplo, escolher piscar com o meu olho esquerdo em vez de meu direito – mesmo que eu estivesse preso e com uma arma na minha cabeça. Nossas ações realizadas por meio de algo anterior tem influência sobre a nossa liberdade, uma vez que nossas ações podem ser causadas e ainda ser livres (escolher pegar o elevador em vez das escadas pode ser causado por minha crença de que o prédio tem elevador, mas eu opto por entrar nele no entanto).

Mas o ponto de Sartre é ainda mais radical do que isso: imagine que, até este momento, eu tenho levado uma vida antiética: eu tive uma infância instável, recebi uma educação inadequada e caí sob a influência do grupo errado. Eu passei a cometer crimes, mas um dia eu fui pego quebrando um carro e enviado para a prisão. No dia da minha prisão, enquanto eu estou sendo levado para a minha cela, eu posso, ainda, optar por alterar os meus caminhos. Posso optar por parar de quebrar carros e embarcar em uma nova maneira de viver. Nada do meu passado determina meu futuro da mesma forma que o projeto do engenheiro determina a função do objeto. Isto é porque os seres humanos não são meros objetos no mundo, mas agentes conscientes agindo como parte dele e, ao mesmo tempo, no mundo. Nós agimos sobre o mundo através das escolhas que fazemos que, uma vez que não são determinadas por qualquer outra coisa, são livres no sentido mais robusto da palavra.

Sob tal concepção da liberdade não há espaço para um ‘eu’ como um objeto estático. Uma vez que nada determina como agimos, não há ‘nada’ para o qual podemos apontar como um ‘eu’. Sartre diz que a liberdade de consciência infinitamente transborda o ‘eu’ como uma parte estática do mundo. O que ele quer dizer com isso é que nós sempre, em qualquer momento, temos uma infinidade de possibilidades disponíveis para nós. Que uma (ou nenhuma) dessas possibilidades que escolhemos constitui a nossa liberdade. E uma vez que estas possibilidades permanecem abertas para nós, mesmo quando estamos sendo conduzidos para a cela, ou temos uma arma em nossa cabeça, a consciência – e a liberdade radical que ela implica – transcende todas as limitações físicas e históricas.


Via Philosophy Tap