O sonho de um homem ridículo – Fiódor Dostoiévski | Resumo / Resenha

Por Adenilson Almeida

Sou um homem ridículo. Agora já quase me têm por louco. O que significaria ter ganho em consideração, se não continuasse sendo um homem ridículo. Mas eu já não me aborreço por causa disso, agora já não guardo rancor a ninguém e gosto de toda a gente, ainda que se riam de mim”.

É assim que o escritor russo Fiódor Dosteiévski inicia uma de suas mais brilhantes obras, publicada em 1887.

A narrativa começa com o personagem central vagando pelas ruas escuras e frias de São Petersburgo e se perdendo em pensamentos depreciativos, coisa que para ele não fazia mais diferença, já havia aceitado seu cruel destino de ser um homem ridículo. Por consequência de seu niilismo, chega à conclusão que nada mais importa, tudo é indiferente.

Após caminhar um pouco, avista uma estrela aparentemente especial e se põe a observá-la. Aí que surge a ideia de meter um tiro na cabeça nessa mesma noite, com um bonito revólver que havia comprado há dois meses. Ideia já antiga que seria concluída em alguns instantes. Acontece que enquanto olhava o céu, uma menina puxa seu cotovelo clamando por ajuda, aparentemente sua mãe estava morrendo. O personagem somente empurra a garota e segue caminho, decidido a deixar de viver.

Já em seu apartamento, com a arma direcionada pra sua têmpora direita, não consegue parar de pensar na tal garota e o quão cruel foi ignorá-la. Mas como pode um niilista decidido a se matar depois de ter certeza que tudo lhe era indiferente, sentir compaixão e piedade?

“Parecia-me evidente que, se eu sou um homem e ainda não sou um nada, e enquanto não me transformei num nada, então estou vivo, e consequentemente posso sofrer, me zangar ou sentir vergonha pelos meus atos. Que seja. Mas se eu vou me matar, por exemplo, daqui a duas horas, então o que é que me importa a menina e o que é que eu tenho a ver com a vergonha e com o resto do mundo? Eu me transformo num nada, num nada absoluto. E será que a consciência de que nesse instante eu vou deixar de existir completamente, e que portanto nada mais vai existir também, não poderia ter a mínima influência nem no sentimento de pena pela menina, nem no sentimento de vergonha depois da baixeza cometida?”

Esses pensamentos insistem em atormentá-lo até que adormece ali mesmo, sentado com a arma na mão.

não há dúvida nenhuma de que teria um tiro na cabeça nessa noite, se não fosse por causa daquela pequenina…”.

Enquanto dorme, nosso personagem tem um sonho, onde ele conclui o suicídio com um tiro no peito, mas mesmo após a morte permanece consciente, tão consciente a ponto de ficar incomodado com gotas de água que caiam em seu corpo debaixo da terra.

Após algum tempo, alguma entidade o tira de seu túmulo e leva para uma viagem intergaláctica, até chegar a um sistema solar igual ao nosso e pousar em um planeta também igual ao nosso. A única diferença é que todos lá eram extremamente felizes, tinham um amor pela vida inimaginável. Eles não buscavam um sentido para vida, porque vida e sentido era uma só coisa. Eram tão felizes que nem conversavam entre si (sim, nós só conversamos porque somos tristes, ninguém aguenta o silêncio, pois ele revela os nossos piores pensamentos). Não se tratava de saber viver, e sim simplesmente viver. O personagem chega a teorizar que aquele lugar era o paraíso que deu certo.

Mas como nem tudo na vida é tão belo, o homem ridículo inocentemente começa a ensinar coisas como a mentira para seus novos companheiros, e então a utopia desmorona, as mentiras geram orgulho, que gera outros pecados, até corromper por inteiro aquele paraíso.

“Conheceram a dor e tomaram-lhe o gosto; ansiavam pelo sofrimento e diziam que a verdade só se comprava pelo preço do martírio. Depois surgiu a ciência. Como se tinham tornado maus, deram em falar de fraternidade e de humanidade, e compreendiam estas ideias. Como se tinham tornado criminosos, inventaram a justiça e redigiram códigos para a encerrarem neles, e, para assegurar o cumprimento desses códigos, ergueram a guilhotina. Mal se recordavam daquilo que tinham perdido e não queriam acreditar que alguma vez tivessem sido inocentes e felizes”.

Após toda a desgraça, o homem ridículo acorda transformado, “curado” do seu niilismo, agradecendo pelo dom da vida, decide então passar o resto dos seus dias pregando a verdade e vai procurar a menina. O livro termina com a velha máxima que sempre é repetida mas por muitos é esquecida: ame os outros como a si mesmo. E, por consequência, não faça aos outros o que não queres para ti.

Essa possível “cura” ao niilismo se espalhou a partir de Dostoiévski. Freud o considerava um dos mais brilhantes pensadores a pisar na terra e que obras como Crime e Castigo (Logo escrevo sobre esse também) eram os livros do século.

Nietzsche sobre Dostoiévski:  “O único psicólogo com quem tenho algo a aprender”.

No fim, nada garante que esses dogmas e velhas máximas vão nos livrar da angústia perante o nada e nos levar a redenção, o máximo que podemos fazer é ter fé, e ter fé nem sempre é tão fácil.

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