Bastiat, A Lei e os inimigos da liberdade

Por Adenilson Almeida

  • Frédéric Bastiat (1801-1850)

Claude Frédéric Bastiat foi um jornalista e economista que ficou conhecido por defender pautas liberais na França do século XIX. Grande parte de sua obra foi escrita nos anos que antecederam e imediatamente sucederam a revolução de 1848. Mas seu legado é definitivamente cravado em sua obra prima, A Lei.

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Em sua obra, Bastiat resume “lei” como a organização coletiva do direito individual de legítima defesa (como um bom liberal clássico, ele se baseia na concepção de Locke de “direitos naturais”, universais e inalienáveis: O direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade. Como um bom crente também, acreditava que esses direitos nos foram concedido por Deus). Segundo ele, em uma sociedade em que elas se limitem a isso, não teria por que o povo reclamar do governo, já que teria suas liberdades respeitadas.

“Não é verdade que a função da lei seja reger as nossas consciências, as nossas ideias, as nossas vontades, a nossa educação, os nossos sentimentos, o nosso trabalho, o nosso comércio, os nossos talentos ou os nossos prazeres. A função da lei é proteger o livre exercício destes direitos e impedir que qualquer pessoa possa impedir qualquer cidadão de usufruir desses direitos”.  Pg. 52

Para Bastiat, o homem não pode viver e desfrutar da vida a não ser pela assimilação e apropriação perpétua, isto é, por meio da incessante aplicação de suas faculdades às coisas, por meio do trabalho. Daí emana a propriedade.

Por outro lado, o homem pode também viver e desfrutar da vida, assimilando e apropriando-se do produto das faculdades do seu semelhante. Daí emana a espoliação.

Já que o trabalho é um sacrifício, e o homem é altamente inclinado a evitar sacrifícios (para ele há provas disso ao longo da história inteira), sempre que a espoliação se apresentar como mais fácil que o trabalho, ela vai prevalecer. Podendo só ser freada quando se torna mais árdua e perigosa que o próprio trabalho.

Citando Bastiat: “enquanto se admitir que a Lei possa ser desviada da sua verdadeira missão, que ela possa violar os direitos de propriedade em vez de garanti-los, toda a gente quererá produzir leis, seja para se proteger a si próprio contra a espoliação, seja para organizá-la para seu próprio benefício”.

Essa perversão mais ou menos universal torna as leis um motor para a injustiça, não o contrário, como deveria. Gera o que ele vai chamar de “espoliação legal”, que é o roubo legitimado por lei. Podendo citar exemplos como tarifas, protecionismos, benefícios, subvenções, incentivos, imposto progressivo, instrução gratuita, garantia de empregos, de lucros, de salário mínimo, de previdência social, de instrumentos de trabalho, gratuidade de crédito etc.

Conforme isso vai se perpetuando dentro de uma sociedade, não há mais distinção entre lei justa e injusta. O povo começa aceitar passivamente e não questiona mais, pois acha que o que está na lei é justo (para Bastiat, a justiça não é a lei, a lei é a justiça). Um claro exemplo disso é Montesquieu, que define liberdade como o direito de fazer tudo o que as leis permitem e de não fazer o que elas proíbem.

Montesquieu pode ser citado como um inimigo da liberdade, entre vários outros (Rousseau, por exemplo), pois são defensores da espoliação legal e pregadores de um estado que pode interferir em suas liberdades. É como se os governantes falassem “vocês são livres para fazer qualquer coisa que eu quiser”.

Bastiat diz que somos ensinados a pensar politicamente assim desde o início, nos ensinam a tratar as pessoas como um instrutor de agricultura ensina aos agricultores a preparar e a cuidar do solo.

“Uma ideia horripilante” É como Bastiat se refere à filosofia de Montesquieu, exaltada por muitos (pois foram ensinados desta maneira).

No livro A Lei, ele destaca algumas coisas ditas por Montesquieu, e ainda ironiza “Agora ouçam o famoso Montesquieu sobre o mesmo assunto”. Bastiat tem um poder de síntese tão grande que nessa parte do livro não precisa tecer grandes comentários, pois o que ele queria passar já tinha sido passado, e agora só põe em evidência o discurso falho de alguns autores. Seguindo o exemplo do Montesquieu:  “Apesar de, na democracia, a igualdade verdadeira ser a alma do estado, é, entretanto, tão difícil alcançá-la, que uma exatidão extrema a esse respeito não seria sempre conveniente. Basta que se estabeleça um censo que reduza ou fixe essas diferenças dentro de um certo limite. Depois disso, é tarefa para as leis específicas igualar as desigualdades, através de encargos impostos aos ricos e concessões de alívio aos pobres…” Pg.  34

Claramente é o que Bastiat já vinha explicando, a ideia de igualar fortunas pela Lei, pela força. E ele segue:

“Aqueles que estiverem sujeitos à admiração vulgar exclamarão: “Montesquieu já disse isso, então é magnífico, é sublime!”Quanto a mim, tenho a minha própria opinião. Eu digo: O que?! Como você pode achar isto bom? Isto é medonho! É abominável! Esta seleção de trechos escritos por Montesquieu mostra que ele considera as pessoas, as liberdades, a propriedade, a própria humanidade, como apenas material para os legisladores exercitarem sua sagacidade.” Pg. 36.

Bastiat conclui então que Lei é força.

“Quando a lei e a força mantêm um homem dentro da justiça, não lhe impõem nada mais que uma simples negação. Não lhe impõem senão a abstenção de prejudicar outrem. Não violam a sua personalidade, a sua liberdade, nem a sua propriedade. Elas somente salvaguardam a personalidade, a liberdade e a propriedade dos demais. Mantêm-se na defensiva puramente e defendem a igualdade de direitos para todos.” Pg. 25.

Ainda vai além: a lei e a força realizam uma missão cuja inocuidade é evidente, a utilidade palpável e a legitimidade indiscutível. Não é verdade que a finalidade da lei é fazer reinar a justiça, isso não é exato. A realidade é que a finalidade da lei é impedir a injustiça de reinar.


Referências

Análise da obra “O espírito das leis” de Montesquieu https://lukasmauro.jusbrasil.com.br/artigos/313500126/analise-da-obra-o-espirito-das-leis-de-montesquieu

BASTIAT, F. A Lei. Rio de Janeiro: José Olympio. Editora/ Instituto Liberal, 1987

Análise do instituto Mises Portugal: http://mises.org.pt/2016/09/bastiat-genio-lei/

 

Alguns aspectos do pensamento de John Locke

 Autor: Alexandro Foletto*

John Locke nasceu em Wrington, na Inglaterra, em 29 de agosto de 1632, e foi um importante filósofo inglês, considerado um dos líderes da doutrina filosófica conhecida como empirismo, a qual afirma que o conhecimento vem apenas, ou principalmente, a partir da experiência sensorial.

Qual é o Propósito do Governo? John Locke explica

Locke apresenta em seu livro “Ensaio acerca do entendimento humano” uma importante crítica à ideia de inatismo, que consiste em dizer que o conhecimento é anterior à experiência. Para Locke, no entanto, o conhecimento de forma alguma poderia vir antes da experiência, pois a fonte de todo o conhecimento nasce na própria experiência empírica. Para o citado filósofo a mente é um tabula rasa que aos poucos vai sendo preenchida pelas experiências que temos do mundo.

As impressões que os sentidos proporcionam são impressas na mente, assim, haveriam duas formas de surgimento de ideias, pela sensação e pela reflexão feita a partir da experiência. Partindo desse pressuposto as ideias podem ser simples ou complexas. As ideias simples são as que nos surgem passivamente pelo entendimento, de forma embaralhada num objeto, mas que podem ser separadas pelos diferentes sentidos pelos quais as percebemos, como: a textura lisa, o aroma perfumado, o gosto doce, a consistência firme e a cor vermelha são ideias simples que podemos distinguir da maçã. Ideias complexas se referem ao processo feito pela mente quando, ao ser preenchida dessas ideias simples, combinando-as, formam as ideias complexas, como, por exemplo, a maçã em sua totalidade.

Outro ponto a ser destacado são os fundamentos da certeza. John Locke afirma que os graus de conhecimento são três. O intuitivo, que é aquele em que a mente percebe pela reflexão o acordo ou desacordo entre duas ideias imediatamente, como por exemplo, quando percebemos que o branco não é preto, o quadrado não é triângulo. Este seria o tipo mais seguro e claro de conhecimento humano. Outro grau de conhecimento é o demonstrativo: é quando a mente necessita de ideias “extras” para perceber o acordo ou desacordo entre outras duas ideias, são as ditas provas. Para saber, por exemplo, que a fé em Deus é plausível. E o terceiro tipo de conhecimento por sensação, que é a percepção que temos de objetos externos através dos sentidos.

A filosofia lockeana além de apresentar aspectos do conhecimento e como nossa mente se porta perante os estímulos, trata também da tolerância religiosa e estado político. No primeiro ponto, a tolerância religiosa consiste em respeito pleno a todas as denominações, sem privilegiar uma em detrimento a outra. O segundo ponto, o estado político, é regrado pelo “contrato social”. Para ele todos os homens, ao nascer, tem direitos naturais, como por exemplo: direito à vida, à liberdade e à propriedade. Para garantir esses direitos naturais, os homens haviam criado regras, a fim de manter a ordem e conviver bem, sendo dever do estado político garantir tais direito.

 

Referências:

ABRIL CULTURAL. Coletânea os pensadores: Locke. São Paulo, 1978.

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*Acadêmico do curso de Filosofia da Faculdade Palotina – FAPAS-RS. E-mail: alexandrofoletto1996@gmail.com.

Ceticismo sobre o mundo exterior, Descartes e o cérebro numa cuba

Possíveis respostas ao ceticismo sobre o mundo exterior

O ceticismo na filosofia pode ser classificado em dois tipos: ceticismo vertical e ceticismo horizontal. O ceticismo vertical é o tipo de ceticismo que se preocupa com a inferência de algo interno, como nossas faculdades perceptivas, a algo externo, como a existência de mesas e cadeiras. O ceticismo horizontal preocupa-se com a inferência das coisas do mundo – como o sol amanhecendo amanhã, ou o trem parando às 17h15.

Descartes, dúvida hiperbólica e a existência de Deus

O ceticismo vertical encontra um dos seus exemplos mais claros na filosofia de Descartes. Descartes argumentou que a única coisa que podemos afirmar com certeza é que nós existimos – “Eu penso, portanto, eu sou”. Para Descartes, todos os outros conhecimentos – o conhecimento sobre o mundo externo, por exemplo, – eram dubitáveis, porque poderia ser que um gênio do mal esteja tocando nossas percepções. Nesse mundo, mesmo o conhecimento não derivado diretamente dos sentidos, como 2 + 2 = 4, pode ser falso.

Mas do fato de eu existir não posso duvidar, porque a própria ação de duvidar pressupõe que existo. Desta forma, as dúvidas cética aplicadas a nossa própria existência são auto-refutações – no mínimo, devemos ser algo que pensa – ou não poderíamos aumentar a dúvida. Descartes argumenta que o cogito – eu penso, portanto, eu sou – é algo que é percebido de forma clara e distinta, e ele usa esse padrão de apreensão para inferir a verdade indubitável de outras coisas, como a existência de Deus.

Ele faz isso argumentando que a existência de Deus é percebida de forma clara e distinta – e que isso deve ser o caso, pois Deus é um ser perfeito que não poderia brincar com nossas percepções da maneira que um gênio do mal poderia. Mas seu raciocínio é circular: se um Deus perfeito é necessário para considerar com confiança a nossa apreensão de ideias claras e distintas, então, como estabelecemos sua existência sem ter já faculdades confiáveis?

 

Uma maneira de responder a isso seria dizer que não precisamos que Deus exista para considerar nossas faculdades confiáveis; mas então deixamos a porta aberta para o ceticismo: como podemos realmente saber que o que pensamos que sabemos não é de fato feito por um gênio maligno? A resposta de Descartes é insatisfatória porque é circular – enquanto ele pode justificar a confiabilidade de sua apreensão clara e distinta recorrendo à perfeição de Deus; ele não pode estabelecer a existência de Deus sem já ter faculdades confiáveis. A dúvida cética – como podemos saber que nossas faculdades sensoriais são confiáveis ​​- persiste obstinadamente.

A resposta de Hilary Putnam à hipótese do cérebro numa cuba

Isso nos leva a outro argumento cético famoso, desta vez pelo filósofo Hilary Putnam, do século XX. Putnam argumenta contra o ceticismo, mostrando que a frase “somos cérebros em cubas” é auto-refutação e, portanto, não pode ser verdade. A hipótese do cérebro em uma cuba é uma peça sobre a dúvida cética expressada por Descartes quatro séculos antes: que você e eu poderíamos ser cérebros em uma cuba, e que as coisas que nos rodeiam – nossas mãos e pernas, mesas e cadeiras – simulações realistas criadas por um supercomputador.

 

Putnam argumenta que, para que algo signifique algo – para defender essa coisa – a pessoa que pensa ou proferiu deve ter entrado no tipo certo de contato com ela. O que isto significa? Bem, para você ou eu querermos dizer árvore quando dizemos ‘árvore’ ou pensamos em uma imagem de uma árvore, devemos ter experimentado uma árvore real. Não importa se eu saiba que eu sei que é uma árvore, ou se eu posso provar que eu sei que é uma árvore, só que, de uma visão externa de Deus, eu realmente experimentei uma árvore real.

Se uma formiga traçasse uma imagem de Winston Churchill na areia, não representaria Winston Churchill; e a formiga não poderia significar que fosse Winston Churchill, porque a formiga não entrou no tipo certo de contato com Winston Churchill – ou seja, não experimentou Winston Churchill. Da mesma forma, se uma imagem que representa uma árvore, idêntica em todos os sentidos para nós – fosse cair sobre Marte e um marciano fosse vê-la – o marciano não pensaria em uma árvore quando se lembrasse da imagem que viu, porque o Marciano nunca experimentou uma árvore real.

A hipótese do cérebro em uma cuba só pode ser expressa usando o idioma e, portanto, pode ser verdadeira ou falsa. Se aceitarmos os argumentos de Putnam sobre o significado, então, se a frase “nós somos cérebros em uma cuba” é verdade, então, as câmaras significam imagens de cubas geradas por computador e, portanto, não podem ser verdadeiras. Por outro lado, se a frase “nós somos cérebros em uma cuba” é falsa, então as cubas se referem a cubas reais e não podem ser verdadeiras. Isso quer dizer que não existe um mundo possível no qual possamos ser cérebros em uma cuba no sentido que o cético quis dizer. A fim de contrariar isso, o cético teria que mostrar que o que as coisas significam e se referem está condicionado a algo além de entrar no tipo certo de contato com elas.

A angústia na Fenomenologia Existencial de Kierkegaard

Todos os meus movimentos tornaram-se prejudicados … a angústia e o medo, estava aterrorizada o tempo todo. Estava aterrorizada com tudo …

Eu sempre me lembro do controle remoto. (…) lembro-me de olhar para o controle remoto e pensar “posso fazer isso, posso fazer isso” … não, eu não posso, não, eu não posso … Eu não poderia ter esse grau de mudança, não consegui elevar o controle remoto e mudá-lo disso, porque você sabe se eu não pudesse mudar de volta … Não consegui suportar nenhuma alteração.

Distúrbios mentais como angústia e depressão manifestam-se fenomenologicamente. Ou seja, eles se tornam parte da experiência vivida todos os dias, mudando a forma como vemos nossa relação com nós mesmos, outros e o mundo em geral. A relação entre angústia e eu, mundo e outros, é explorada por pensadores fenomenológicos / existencialistas como Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre e Soren Kierkegaard. Uma interpretação fenomenológica da angústia – ou seja, como algo conscientemente experimentado – baseia-se no argumento de porque a angústia é um fenômeno fundamentalmente existencial (ao contrário de físico ou médico).

Sartre argumentou que a consciência é uma fusão paradoxal de transcendência e facticidadeA facticidade são os aspectos contingentes de nossa existência – coisas como odne nascemos, a que horas e de que pais. A facticidade também inclui todas as escolhas que até agora nos moldaram como a pessoa que somos – quem somos “para os outros”. A transcendência é o aspecto puramente hipotético da nossa existência: o que podemos fazer, mas ainda não nos comprometemos, oferecendo toda uma gama de possibilidades disponíveis para nós a qualquer momento.

Kierkegaard compara a angústia com um tipo de tontura – algo que nos impede e desabilita a tomada de decisão efetiva.

De acordo com Kierkegaard, a angústia surge de uma tensão entre esse aspecto de nós mesmos que sempre está escolhendo, reconstruindo e renovando a nós mesmos (transcendência) e nós mesmos como coisas “para os outros” – como uma coleção de fatos contingentes e escolhidos (facticidade) que fazem de nós o que somos para os outros em qualquer momento. Sob essa visão, a angústia é um fenômeno fundamentalmente existencial: nos revela nossa liberdade radical, lembrando-nos ao mesmo tempo do custo dessa liberdade, ou seja, o que nós queremos é o que nos tornamos.

Esta teoria é corroborada por relatos fenomenológicos da angústia, como o indicado acima. A mulher descreve sua experiência de angústia que se manifesta como “incapaz de suportar qualquer mudança”. Isso se adapta às ideias de Kierkegaard de que a angústia é uma espécie de confronto com a liberdade; que para ser livre – para escolher isso ou aquilo – é sempre, ao mesmo tempo, fundamental e irrevogavelmente mudar quem somos nesse momento.

Essa realização causa o tipo de pânico associado à angústia e ilustrado de forma tão visceral por pinturas como ‘O Grito‘ de Edvard Munch. A capacidade da angústia para nos desativar; para alterar nossa experiência de forma tão dramática que começamos a ver o mundo de forma diferente (tudo é assustador quando você está aterrorizado com tudo), é o que torna a angústia fundamentalmente existencial. Quando experimentamos angústia, não nos sentimos apenas ansiosos; nós estamos ansiosos.

 

O que nos faz bons? A Ética da Bondade em Kant e Sartre

Kant e Sartre – Ações e Intenções

Para o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre, sempre que atuamos, estamos agindo de forma legislativa para o resto da humanidade. Isso ocorre porque nossas ações são escolhidas livremente, e cada vez que escolhemos agir de uma maneira ou outra, somos acompanhados pela pesada responsabilidade de formar nosso próprio caráter moral e o caráter moral da humanidade como um todo.

A bondade da humanidade como um todo e a bondade do indivíduo são interdependentes, daí a questão avaliativa – eu, ela ou ele somos bons? – é respondida com outra questão: se todos atuassem do jeito que fazemos, seria a humanidade como um todo melhor ou pior por isso?

Isso tem um entendimento kantiano óbvio: o imperativo categórico de Kant nos diz para atuarmos apenas da maneira que, ao mesmo tempo, pode tornar-se uma lei universal – ou seja, apenas diga essa mentira se você quiser que todos os outros digam essa mentira. O propósito do imperativo categórico é fornecer-nos uma regra para a ação moral: se não podemos justificar racionalmente a prescrição de mentir como uma lei universal, então segue que não podemos justificar a narração de uma mentira; portanto, mentir é errado.

Para Kant, se um indivíduo é bom ou não depende se suas intenções de ação foram boas ou não. A avaliação não está na ação, mas no espaço de deliberação racional que precede a ação, na formação da intenção. As únicas ações boas são as que são produzidas por boas intenções. E as boas intenções só podem ser formadas quando uma compreensão correta do conceito de Deus foi determinada.

Dar dinheiro à caridade é bom se e somente se a sua intenção de dar é formada pela sua compreensão correta do conceito de bondade. Entendido corretamente, você dá dinheiro à caridade porque é bom fazê-lo, não porque, por exemplo, você se sentirá melhor por isso, ou porque sua religião diz que é bom fazer. Uma compreensão correta do conceito de bondade nos limita à ação correta como um dever: não poderíamos agir de outra maneira.

Então, para Kant, ser ou não bom, depende do que me motiva a agir. Somente boas intenções podem causar boas ações. Sob esta concepção de Deus, é concebível que alguém que vemos como bom em virtude de suas ações – alguém que dá a caridade, cuida dos outros, etc. – não é realmente bom. Eles são bons apenas se tiverem boas intenções – independentemente da produção de suas ações.

Quando comparada à avaliação de Sartre sobre a bondade individual, vemos uma diferença emergir: para Sartre, a avaliação moral ocorre olhando de fora, em uma espécie de visão de Deus sobre toda a humanidade; Para Kant, a avaliação moral ocorre de dentro, no processo de pensamento racional que ocorre antes da ação ter lugar. O conceito de bondade em si muda com isso: é uma propriedade de ação (boas ações são consistentes com más intenções -, portanto, o que faz uma ação boa é algo sobre a ação em si), ou uma força motivadora (uma que, devidamente entendida, nós só atuaríamos de acordo com ela)?

Cada um tem uma conclusão particular sobre o que constitui a bondade individual: seja bom por minhas ações ou por minhas intenções. E então começamos a ver a divisão entre a ética de Sartre e a de Kant: tanto Kant quanto Sartre nos pedem para atuar de maneira que possamos fazer com que o resto da humanidade aja igual, mas o que faz a bondade individual diverge no ponto em que a ação é escolhida.

O Homem não quer Felicidade, diz Nietzsche

O que Nietzsche fala sobre Felicidade?

Todo mundo quer ser feliz, certo? Quem não? Claro, você pode não querer sacrificar tudo por prazer, mas você certamente quer se divertir. Há uma enorme quantidade de drogas no mercado para resolver os problemas de depressão, e os métodos para alcançar a felicidade muitas vezes são vendidos e anunciados como algo que você pode começar, e o que você deseja acima de tudo.

A busca da felicidade é tão essencial para a nossa ideia da boa vida que foi declarada sendo um direito inalienável por Thomas Jefferson. Ele resume o sonho americano como nenhuma outra ideia. Para muitas pessoas é o sentido da própria vida. É difícil para algumas pessoas imaginar que há uma maneira de pensar que sugere que você não quer, pelo menos, tentar ser tão feliz como você pode ser.

Bem, há um filósofo que não acha que você quer a felicidade em si. Friedrich Nietzsche.

Nietzsche viu a mera busca da felicidade, aqui definida como aquilo que dá prazer, como um desperdício sem graça da vida humana. Declarando: “ A humanidade não se esforça para a felicidade; apenas o inglês o faz”, fazendo referência a filosofia inglesa do utilitarismo, e seu foco na felicidade total. Uma filosofia que ele rejeitou com a sua parábola do “Último homem“, um ser patético que vive num tempo em que a humanidade “inventou a felicidade“.

Os últimos homens? Na mente de Nietzsche eram felizes, mas sem brilho. 

Nietzsche estava dedicado à ideia de encontrar sentido na vida. Ele sugeriu o Ubermensch (O Superhomem ou Além do Homem), e sua criação de sentido na vida, como uma alternativa para o último homem, e ofereceu-nos a ideia de pessoas que estavam dispostas a empreenderem um grande sofrimento em nome de um objetivo que eles criaram, como exemplos. Podemos imaginar que Michelangelo achou agradável pintar do teto da Capela Sistina? Nikola Tesla declarou que seu celibato era necessário para o seu trabalho, mas queixou-se de sua solidão toda a sua vida.

Essa é a felicidade? Se essas grandes mentes quisessem felicidade em si mesma, teriam feito o que fizeram?

Não, diz Nietzsche. Em vez disso, eles escolheram perseguir significado, e encontraram. Isto é o que as pessoas realmente querem.

A Psicologia muitas vezes concorda. O psicólogo Victor Frankl sugeriu que a chave para a boa vida é encontrar significado, indo tão longe a ponto de sugerir significados positivos para o sofrimento de seus pacientes para ajudá-los a seguir em frente. Suas ideias, publicadas no best-seller Em Busca de Sentido, foram inspiradas por seu tempo em um campo de concentração e suas notas sobre como as pessoas que sofrem horrores inimagináveis foram capazes de continuar através do significado, ao invés da felicidade.

Há também uma questão de matemática utilitarista aqui para Nietzsche. Em sua mente, aqueles que fazem grandes coisas sofrem muito. Aqueles que fazem coisas pequenas sofrem trivialmente. Nesse caso, se alguém tentasse fazer cálculos utilitários, seria difícil, se não impossível, encontrar um cenário onde a felicidade líquida é muito grande. É por isso que o último homem é tão maçante; as únicas coisas que lhe concedem um grande retorno líquido de felicidade são assuntos bastante maçantes, e não as atividades indutoras de sofrimento que iríamos achar interessantes.

Este problema é chamado de “o paradoxo da felicidade”. Atividades que são feitas para aumentar diretamente o prazer não são suscetíveis de ter um alto retorno. Nietzsche compreendeu este problema e deu voz quando ele disse que “A alegria acompanha, a alegria não se move”. Uma pessoa que gosta de colecionar selos não faz porque isso a faz feliz, mas porque ela acha interessante. A felicidade é um efeito colateral. Uma pessoa que sofre por anos fazendo uma obra-prima não é feita feliz por ela, mas encontra alegria na beleza criada após o fato.

Claro, há oposição à ideia de Nietzsche. O grande pensador Inglês Bertrand Russell condena Nietzsche em sua obra A História da Filosofia Ocidental (adquira aqui). A maior entre suas críticas à Nietzsche é que ele viu como uma brutalidade e abertura ao sofrimento, e ele comparou as ideias de Nietzsche contra as do compassivo Buda, visando Nietzsche gritando:

“Por que ir a chatear porque as pessoas triviais sofrem? Ou, porque grandes homens sofrem? As pessoas triviais sofrem de forma trivial, os grandes homens sofrem muito, e grandes sofrimentos não devem ser arrependidos, porque são nobres. Seu ideal é puramente negativo, ausência de sofrimento, que pode ser completamente garantida pela inexistência. Eu, por outro lado, tenho ideais positivos: admiro Alcibíades, o imperador Frederico II e Napoleão. Por causa de tais homens, qualquer miséria vale a pena”.

Russell, cujas interpretações de Nietzsche eram menos do que precisas e que sofria de ter más traduções para trabalhar, viu sua filosofia como o trampolim para o fascismo, e como sendo focada na dor.

Então, enquanto você pode valorizar algo acima de felicidade, o quanto você está disposto a sofrer para obtê-lo? Nietzsche argumenta que você vai desistir de tudo por um valor maior. Outros ainda discordam. Você é mesmo capaz de buscar a felicidade e recebê-la? Ou Nietzsche está correto que você deve se concentrar em outros lugares, em significado, a fim mesmo de esperar a satisfação mais tarde?


Sugestão:


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Por Scotty Hendricks

Via Big Think.

Nietzsche: Moral do senhor x Moral de escravos

Moral do senhor e moral dos escravos / Moralidade mestre-escravo

Esses conceitos de Friedrich Nietzsche que tem grande importância em suas obras, em especial em Genealogia da Moral.


Nietzsche argumentou que haviam dois tipos fundamentais de moralidade: moral do senhor (moralidade mestre ou moral nobre) e moral de escravos (moral de rebanho). A moralidade do senhor valoriza o orgulho, força e nobreza, enquanto a moral dos escravos valoriza coisas como a bondade, humildade e simpatia. Moralidade mestre pesa ações em uma escala de conseqüências boas ou más (ou seja, virtudes clássicas e vícios, o consequencialismo), ao contrário da moral de escravos que pesa ações em uma escala de boas ou más intenções (por exemplo, virtudes e vícios cristãos, deontologia kantiana).

Para Nietzsche, uma moral particular é inseparável da formação de uma cultura particular, o que significa que a linguagem, códigos de uma cultura e práticas, narrativas e instituições são orientadas pela luta entre estas duas estruturas morais.

Conteúdo

  • Moral do senhor
  • Moral de escravos
  • Sociedade
  • Veja também
  • Notas
  • Referências

Moral do Senhor

Nietzsche definiu moral do senhor como a moral da força de vontade. Nietzsche critica a visão, que ele identifica com a ideologia contemporânea britânica, de que o bem é tudo o que é útil, e mau é tudo o que é prejudicial. Ele argumenta que proponentes dessa visão esqueceram as origens de seus valores, e baseiam-se apenas em uma aceitação acrítica do hábito: o que é útil sempre foi definido como bom, portanto utilidade é a bondade como um valor. Ele continua explicando, que no estado pré-histórico, “o valor ou sem valor de uma ação foi derivado de suas consequências”,[1]  mas em última análise, “Não existem fenômenos morais em absoluto, apenas interpretações morais de fenômenos.” [2] Para os homens de temperamento forte, o ‘bom’ é o nobre, forte e poderoso, enquanto o ‘mau’ é o fraco, covarde, tímido, e mesquinho.

A essência da moralidade mestre é nobreza. Outras qualidades que muitas vezes são valorizadas na moralidade mestre são abertura de espírito, coragem, honestidade, confiança e um senso exato de sua auto-estima. Moralidade do senhor começa no ‘homem nobre’ com uma ideia espontânea do bom, então a ideia de mau se desenvolve como o que não é bom. “O tipo nobre de homem experimenta-se como a determinação dos valores, que não precisam de aprovação; ele julga, ‘o que é prejudicial para mim é prejudicial em si’.” [3] Neste sentido, a moral mestre é o reconhecimento completo que se representa a medida de todas as verdades morais. Na medida em que algo é útil para o homem de temperamento forte, é parecido com o que ele valoriza em si mesmo; Portanto, os valores do homem de vontade forte são coisas tão boas porque ajudam-o em um processo ao longo da vida de auto-realização através da vontade de poder.

 

Moral de escravos

Os mestres ou senhores são criadores de moralidade; escravos respondem à moralidade mestre com sua moralidade escrava. Ao contrário da moral do senhor que é sentimento, a moral de escravos é baseada em re-sentimento – desvalorizando o que o mestre valora e o escravo não possui. Como a moral do senhor se origina no forte, a moral escrava tem origem no fraco. Devido ao fato de a moral de escravos ser uma reação à opressão, ela  vilipendia seus opressores. Moral de escravos é o inverso da moral do senhor. Como tal, ela é caracterizada pelo pessimismo e cinismo. Moral dos escravos é criada em oposição ao que os valores da moral mestre consideram como ‘bom’.

Moral de escravos não visa exercer sua vontade pela força mas pela cuidadosa subversão. Ela não procura transcender os mestres, mas torná-los escravos também. A essência da moral dos escravos é a utilidade[4] o bem é o que é mais útil para toda a comunidade, não o forte. Nietzsche viu isso como uma contradição. Desde que os poderosos são em número reduzido em comparação com as massas dos fracos, o fraco ganha poder por corromper o forte em acreditar que as causas da escravidão são ‘más’, como são qualidades que originalmente não poderia escolher por causa de sua fraqueza. Ao dizer que a humildade é voluntária, a moral dos escravos evita admitir que sua humildade era no princípio imposta por um mestre. Princípios bíblicos como dar a outra face, a humildade, a caridade e a piedade são o resultado de universalizar a situação do escravo para toda a humanidade e, portanto, escravizar os mestres também. “O movimento democrático é o herdeiro do Cristianismo.” [5] – a manifestação política da moral dos escravos por causa de sua obsessão com liberdade e igualdade.

Sociedade

Esta luta entre moral do senhor e moral dos escravos se repete historicamente. De acordo com Nietzsche, antigas sociedades gregas e romanas foram fundamentadas na moralidade mestre. O herói homérico é o homem de temperamento forte, e as raízes clássicas da Ilíada e Odisséia exemplificam a moralidade mestre de Nietzsche. Ele chama os heróis de “homens de uma cultura nobre”, [7] dando um exemplo substantivo da moralidade do senhor. Historicamente, a moral dos mestres foi derrotada quando a moral de escravos do Cristianismo se espalhou por todo o Império Romano.

A luta essencial entre culturas tem sido sempre entre a romana (mestre, forte) e da Judéia (escrava, fraca). Nietzsche condena o triunfo da moral dos escravos no Ocidente, dizendo que o movimento democrático é a “degeneração coletiva do homem“. [8] Ele afirmou que o movimento democrático nascente do seu tempo era essencialmente servil e fraco. Fraqueza conquistando força, escravo conquistado mestre, re-sentimento conquistando sentimento. Nietzsche chama esse ressentimento de “vingança sacerdotal”, [9] que se baseia no ciumento fraco procurando escravizar o fortes e, assim, minar a base para o próprio poder puxando o poderoso para baixo. Tais movimentos eram, de acordo com Nietzsche, inspirados pela “vingança mais inteligente” dos fracos. Nietzsche viu a democracia e cristianismo com o mesmo impulso castrador que procurou fazer com que todos fossem iguais, fazendo de todos escravos.

Nietzsche não acreditava necessariamente que todos deveriam adotar a moralidade do senhor como o comportamento de “ser tudo, acabar com todos”. Ele pensava que a reavaliação da moral seria corrigir as inconsistências em ambas as moralidades, de mestre e de escravos. Mas ele afirmou que para o indivíduo, a moralidade do senhor era preferível à moral dos escravos. Walter Kaufmann concorda que Nietzsche realmente preferia a moral mestre em relação à moral escrava. Ele certamente dá à moral de escravos uma crítica mais profunda, mas isso é em parte porque ele pensou na moral de escravos como o perigo mais iminente da sociedade.


Veja também


Notas

  1. Nietzsche 1973, p. 62.
  2. Nietzsche 1973, p. 96.
  3. Nietzsche, Friedrich (1967). On The Genealogy of Morals. New York: Vintage Books. p. 39. ISBN 0-679-72462-1.
  4. Nietzsche 1973, p. 122.
  5. Nietzsche 1973, p. 125.
  6. Nietzsche 1973, p. 118.
  7. Nietzsche 1973, p. 153.
  8. Nietzsche 1973, p. 127.
  9. Nietzsche, Friedrich (1967). On The Genealogy of Morals. New York: Vintage Books. p. 19. ISBN 0-679-72462-1.

Referências 

  • Nietzsche, Friedrich (1973). Beyond Good and Evil. London: Penguin Books. ISBN 978-0-14-044923-5.
  • Solomon, Robert C.; Clancy Martin (2005). Since Socrates: A Concise Sourcebook of Classic Readings. London: Thomson Wadsworth. ISBN 0534633285.

Via Wikipedia.

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